Esse livro não trata de papai. Absolutamente não. Se ele aparece lá em casa sem o visto em um passaporte do grande arquiteto, se eu o vejo arrastando um móvel, não pode ser um espírito. Ele veio em um dia calmo. Larissa e eu estávamos conversando, como sempre, sobre as ninharias da vida, as diferenças feitas à machado pelas ordens dadas por algum capataz das agências exteriores. Ele veio. Simplesmente estava acomodado no sofá assistindo TV. Eu lhe disse: Oi papai. E ele fez um sinal mínimo devido a atenção. Está bem, fica à vontade. E fomos dormir. Eu disse à Larissa que tive uma visão. Ela riu. Contou que já o vira antes, o Seu Jó.
Há quem acredite em espírito, mas não bem na materialidade dele, ou seja como for, a alma feita carne e osso. No nosso caso, algo aconteceu, não sei bem o quê, mas se deu que papai vive lá em casa, ou revive, ou ainda é um outro papai feito ele mesmo.
Se a morte é uma passagem, certamente segue, não pode ser uma localização, um lugar para onde se entra. Passagem tem disso, de passar, seguir adiante. Mas papai insistiu em ficar ou retornar à vida. Podemos vê-lo a ter uma vida de homem comum, de sua presença completa.