Excerto:
MISSÃO FINAL
.PRÓLOGO.
A miúda observa-te com curiosidade, piscando os seus olhinhos cor-de-rosa. Tem a aparência de uma criança de cinco anos. A cor dos olhos, no entanto, deixa claro que os pais decidiram dar-lhe SUPREMO durante a infância. A ideia causa-te repulsa: crianças a tomar um elixir de longevidade antes de terem oportunidade de decidirem se o querem fazer, ou não; impedidas de crescer, de serem adultas; obrigadas a permanecer para sempre com o aspecto de bonecos com olhos cor-de-rosa. "Mas isso não foi declarado ilegal?" pensas. Depois, recordas que a lei que ilegalizou a prática não se aplica às crianças que já estavam a tomar SUPREMO. Portanto, apesar da aparência, aquela criança pode ter cinquenta ou setenta anos. Talvez mais.

.1.
"O que é que nunca devemos fazer?" pergunta-te o comandante.
"Remover a viseira," repetes, como uma boa aluna.
"Nunca remover a viseira," reitera ele.
Os restantes membros da equipa sorriem com aparente benevolência. Parte de ti sabe que o fazem apenas porque és a filha do patrão. A ideia de levarem com eles alguém sem a menor experiência naquelas missões não lhes deve agradar particularmente. Estás demasiado entusiasmada com a ideia de finalmente te ter sido permitido participar numa colheita de VESÍCULAS para te preocupares com o que pensam de ti.
Com um solavanco, a nave pousa na superfície de Q23456 e o comandante informa:
"Estamos no meio de um campo cheio de VESÍCULAS. Temos exactamente trinta minutos para apanharmos o máximo possível destas coisas antes de ser necessário sair daqui por causa da próxima tempestade solar."
Pela expressão dos outros sete RECOLECTORES, percebes que a explicação é dada apenas para teu benefício.
"Não se afastem," continua o comandante. "Aspirem o maior número de VESÍCULAS no perímetro delimitado pela linha vermelha que vai aparecer na viseira e regressem assim que ouvirem o sinal sonoro. Entendido?"
"Entendido!" gritam os outros, em uníssono.
"Cassandra?" pergunta o comandante.
"Sim, claro."
O comandante oferece-te um esgar difícil de descodificar e grita:
"Viseiras para baixo!"
Quando fazes deslizar a tua, deixas de ver mais do que pontos e linhas: os pontos azuis são os teus colegas. Ainda não vês qualquer linha vermelha ou pontos amarelos. Esses, só aparecerão no exterior.
Sentes a diferença de pressão quando a nave abre a sua enorme boca e segues os teus companheiros prancha abaixo até sentires o solo de Q23456.
"Mole," pensas. Não sabes porquê mas sempre imaginaste que seria mais como pisar rocha. Talvez por causa dos gráficos do relevo que te mostraram durante a formação. Há montanhas em Q23456.
Finalmente, a linha vermelha aparece no interior da viseira, definindo o perímetro dentro do qual deves permanecer. E pontos amarelos. Montes e montes de pontos amarelos!
Ris e agarras no tubo do COLECTOR de VESÍCULAS que trazes às costas. Os outros chamam-lhe aspirador. Assim que ouves o sinal da activação, apontas o tubo para a multidão de pontos amarelos e começas a aspirar. Voltas a rir à medida que o contador no canto superior direito da viseira aumenta de valor.
"Sou boa nisto," exultas. "Sou mesmo boa nisto!"
Imaginas o orgulho no olhar do teu pai quando lhe disseres quantas VESÍCULAS conseguiste recolher na tua primeira missão.
Então, sentes algo agarrado à tua perna direita. Olhas para baixo. É um ponto amarelo! O que é que disseram na formação? Não se pode apontar o aspirador para o próprio corpo. Sacudir.
Sacodes a perna várias vezes, porém sem sucesso. O ponto amarelo continua no mesmo lugar.
Sem pensar, fazes exactamente aquilo que te explicaram...