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Excerto:
DEUSES PERVERSOS
0001
A22 (KURO)
A21 faleceu pacificamente durante a noite. Por norma, a Meri-Maat era a última a morrer em cada geração.
A22 presidiu à colocação do sarcófago da mãe no topo da pirâmide composta por noventa e nove outros caixões – todos eles muito menos elaborados do que aquele que tinha sido atribuído à sacerdotisa.
Quando regressou ao pequeno templo que servia igualmente de habitação para a família das sacerdotisas de Maat, A23 entregou-lhe o sistro que pertencera à mãe de ambas, com todo o cuidado para que não soasse, e disse:
"Agora és tu a Meri-Maat."
A22 aceitou o sistro e colocou-o no estojo. Depois, abraçou a irmã mais nova e disse:
"Ainda não."
"Mas já toda a gente te chama Meri-Maat," comentou A23.
"Ainda assim, só será verdade depois de Maat me aceitar como sua representante."
"Um dia, serei eu a Meri-Maat," disse A23, libertando-se do abraço.
"É verdade."
"Quando Maat te der uma filha, vais deixar de gostar de mim?"
"Como podes pensar uma coisa dessas?" perguntou A22, erguendo as sobrancelhas. "Eu vou gostar sempre de ti!"
"Ela vai ser a tua primeira filha."
"E então? Não posso gostar das duas? A mãe gostava de nós as duas."
"Nós éramos as duas filhas dela. Além disso, ela gostava mais de ti, porque tu eras a próxima Meri-Maat."
"Não é verdade, Avi! Sabes que não é verdade! E tu, quando a deusa te der a primeira filha, vais deixar de gostar de mim?"
"Não sei," disse A23. "Nem sequer sei se gosto de ti agora."
A22 voltou a erguer as sobrancelhas, mas não teve tempo para perguntar o porquê de tão horrível afirmação. K0122, o representante dos mineiros, ajoelhou-se à entrada do pequeno templo e perguntou:
"Meri-Maat, as oferendas estão prontas. Podemos acender a pira?"
"Para honra de Maat," respondeu a sacerdotisa, em sinal de assentimento.
Abandonou o pequeno templo, seguida pela irmã e pelo homem, e caminhou lentamente até à pirâmide. Uma sacerdotisa nunca apressava o passo.
Um forte cheiro a combustível impregnava a atmosfera da aldeia cujos habitantes se encontravam já reunidos em torno da pirâmide de ataúdes. Procurou o rosto de K2022 entre a multidão. Sem sucesso, primeiro. Finalmente, conseguiu vislumbrar o olhar doce que ele lhe dirigia. Como gostaria de poder abraçá-lo naquele momento.
O chefe dos mineiros, um homem muito mais importante que K2022, entregou-lhe uma tocha já acesa.
"Em honra de Maat," disse A22, erguendo a chama. "Rezemos para que a nossa justa mãe veja este sinal e aceite de volta os seus filhos."
"Maat, mãe suprema, justa mãe, aceita de volta os teus filhos," entoou a multidão.
A22 avançou até ao murete do recinto e, tal como vira a sua mãe fazer cinco anos antes, incendiou o kurilium que tinha sido colocado na base do polígono. Recuou lentamente, afastando-se o suficiente para não ser atingida pela pequena explosão que se seguiu. Um fogo azul trepou pela pirâmide, envolvendo todos os caixões.
"Maat, Maat," gritava a multidão, excitada pelas chamas azuis.
A22 voltou a procurar o rosto de K2022. Também ele gritava o nome da deusa. Com apreço, reparou que, ao contrário dos restantes, o olhar dele não era atraído pelas chamas.
* Fim do excerto *